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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"Brincadeira de mau gosto?"

Há um tempo sem produzir algo para o blog, resolvi pegar um texto emprestado da colunista da Folha de São Paulo Rosely Sayão sobre um assunto que vem se destacando em nossa sociedade e, que me despertou maior interesse desde que assisti o filme: Bullying: Provocação Sem Limites; que deixo como sugestão também a quem interessar.

SOBRA MAU GOSTO, FALTA BRINCADEIRA

ROSELY SAYÃO

Crianças são humilhadas em episódios chamados de “brincadeira de mau gosto”

A EXPRESSÃO “brincadeira de mau gosto”, agora, virou moda entre as crianças, adolescentes e até adultos.

E pior: ela tem sido usada, principalmente pelos mais novos, para explicar as situações mais absurdas e até tragédias que acontecem em nosso mundo.

Você se lembra, caro leitor, do garoto de nove anos que morreu na escola que ele freqüentava, vítima de um tiro? Pois em uma reportagem que abordava o assunto, colegas do menino chegaram a enunciar a hipótese de a tragédia ter ocorrido pelo descontrole do que seria, inicialmente, uma “brincadeira de mau gosto” entre colegas.

E o tal “rodeio das gordas”, uma espécie de jogo universitário em que alunos da UNESP do campus de Assis demonstravam interesse em paquerar alunas com sobrepeso e, depois de conquistar a atenção delas, agarravam as garotas por trás e tentavam se manter nessa posição o maior tempo possível, simulando um rodeio? Da mesma maneira, o evento foi descrito como uma “brincadeira de mau gosto”.

Em escolas, é comum crianças serem humilhadas com apelidos, por colegas, ou serem excluídas e isoladas pelos mais diversos motivos e, da mesma maneira, as crianças nomeiam tais situações com a mesma expressão.

Até programas de televisão, agora, explora, o tema com as já conhecidas “pegadinhas” que , invariavelmente, colocam pessoas em situação de vexame, humilhação etc. Pois não é que as pegadinhas são chamadas de brincadeiras? De mau gosto, é claro. Que pena que juntamos nessa expressão conceitos tão antagônicos.

Brincadeira supõe, acima de qualquer coisa, diversão das pessoas envolvidas. Brincar é um ato lúdico muito próprio da infância, e que acaba por se estender pela vida toda. O que seria da nossa vida sem as brincadeiras e o prazer que elas proporcionam? Por isso, fica difícil de entender a popularização da expressão em questão.

Sabemos que o tempo que vivemos não ajuda os mais novos a construírem um sentido para a vida. Ao contrário: vivemos uma época dominada pela cultura do tédio, situação muito bem abordada e explanada pó Yves de La Taille em seu último livro, “Formação Ética do Tédio ao Respeito de Si” (Editora Artmed). Concomitantemente, a importância do poder de um sobre o(s) outro(s) e o valor do individualismo também colaboram para esse clima de vazio da existência que começa a ser sentido por muitos, já na infância.

Em conjunto, talvez essas características do mundo contemporâneo, combinadas com algumas outras, tenham favorecido o surgimento e o crescimento das tais “brincadeiras de mau gosto’, cada vez mais freqüentes e presentes na vida dos mais novos. E é bom lembrar que o lugar de vítima e de agente, nesses casos, podem se alternar na vida de qualquer um deles.

Precisamos intervir nessa história para que crianças, adolescentes e jovens entendam que a vida social sustenta a vida pessoal e, portanto, quando não colaboramos para que os relacionamentos sociais sejam respeitosos, comprometemos nossa própria vida pessoal.

Da forma que temos permitido e inclusive participado de várias maneiras da criação dessas chamadas “brincadeiras de mau gosto”, desconstruímos o conceito tão caro do ato de brincar, principalmente na infância e, mais ainda, contribuímos decisivamente para uma cultura de desrespeito, de si e do outro. É um futuro com tais características que desejamos aos nossos filhos?

Publicado em 9 de novembro de 2010

Caderno Equilíbrio (Folha de São Paulo)