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sábado, 9 de abril de 2011

“Algumas” reflexões possíveis diante do massacre de crianças em uma escola carioca

Em primeiro lugar: coloco-me a postos para críticas e outras reflexões. Pus “algumas” entre aspas para justamente pontuar que muitas outras idéias poderiam ser escritas aqui, mas estas foram as que me brotaram ao ler sobre a notícia principal da mídia brasileira nos últimos três dias. Em segundo lugar: não tenho a posse de verdade alguma, apenas divido com outros o que me fez refletir. Quando mostro que me preocupa a visão dos fatos em termos de vítimas e culpados, simplesmente proponho um outro olhar possível sobre eles; não quero mesmo nomear ninguém. Conheço a lei de nosso país, coloco-me no lugar de extrema dor das famílias que perderam suas crianças e reconheço um culpado, sim. Mesmo assim, proponho algumas reflexões.

A responsabilidade social pela saúde mental: a sociedade poderia aproveitar esse momento para refletir sobre qual é o seu papel diante das inúmeras pessoas que sofrem com distúrbios mentais em nosso país. As famílias, as comunidades, as escolas, as empresas, o poder público, poderiam olhar melhor para essa pessoa que se apresenta como um diferente, um estranho, um “esquisito” e se perguntarem o que poderiam fazer para ajudá-lo, incluí-lo socialmente, dar sentido à sua vida, possibilitar-lhe o convívio social, o afeto, a dignidade. Cada vez é maior o número de pessoas que sofrem com algum distúrbio de ordem psíquica em nosso país e em todo o mundo. E o ritmo de nossas vidas na contemporaneidade, as exigências a que estamos todos submetidos, as pressões do cotidiano que sofremos desde a infância até a velhice, a diminuição do contato e do afeto interpessoal em detrimento do medo, da violência ou mesmo de interesses outros, só fazem aumentar esse contingente. É papel político da medicina e da psicologia, mas também de toda a sociedade construir um novo olhar, ou um olhar de fato, para o problema que se apresenta mas tantas vezes é colocado de lado: as pessoas precisam de ajuda, as pessoas precisam de afeto. Precisam de respeito às suas singularidades, precisam de apoio, precisam ser vistas, ouvidas e sentidas.

A responsabilidade da escola por propagar a paz e o respeito mútuo entre seus alunos: não é a primeira vez que uma suposta vítima de bulliyng nas escolas opta por uma solução trágica para seu sofrimento, que se propaga anos e anos após já ter concluído os estudos e saído da instituição onde os realizou. Quem não sofre o preconceito, a injustiça, a solidão e a profunda tristeza que causam no sujeito essa prática discriminatória, não imagina o quanto ela é capaz de se propagar e persistir no tempo, no corpo, nas atitudes, nos pensamentos e principalmente no afeto daquele que a sofreu, bem como em toda a sua história a partir dali. É papel da escola e da família a educação para o respeito, a cidadania, a paz e o entendimento entre as pessoas. É também papel de ambas educar para o afeto, para a amizade, a compreensão, a comunicação. Parece tolo dizer isso, mas esses valores se perderam diante da exigência de ensinar nossos alunos e filhos a “vencerem”. Do que adianta sermos vencedores se diante de situações como essas não achamos solução ou explicação que nos conforte? É preciso reformularmos nossos conceitos, nossos valores.

A responsabilidade das escolas pela segurança dos seus alunos e professores: diante de uma fatalidade como a que aconteceu na última quinta-feira no Rio, me pergunto se haveria alguma chance de aquela escola ter evitado a tragédia da qual foi vítima. Ter câmeras na entrada, guardas, detectores de metais, talvez? Mas também me parece, por outro lado, que o sujeito realizaria seu plano de uma forma ou outra, talvez. Pergunto-me, também, quem são todas as vítimas desse momento: as crianças mortas, as feridas, as que presenciaram a situação. Os professores, toda a escola. As famílias, a comunidade. O próprio atirador, uma vítima da vida, dos outros, da sociedade, da mídia e de si mesmo, bem provavelmente. Sua família – seus irmãos adotivos, que serão lembrados e rechaçados por um bom tempo. Todos são vítimas, todos são responsáveis também. Há e não há culpados. Parece-me que tamanha fatalidade não pode ser resumida à eleição de quem errou e de quem sofreu. É muito mais sério e complexo do que isso. Algo que se construiu individualmente (no sentido do isolamento mórbido em que se afundou Wellington para mapear seu plano), mas também social e historicamente.

A responsabilidade da família: a família terá sempre uma grande responsabilidade pela saúde mental dos “seus”. Ali, na família, muitas coisas se constroem (assim como se destroem) – como será o afeto, a relação entre irmãos, pais e filhos, o casal, filhos adotivos, enteados e enteadas, padrastos, madrastas, avós. Os valores e não-valores perpassados em cada atitude, em cada olhar, em cada palavra dita ou não dita, em cada ausência, em cada presença sufocante. É ali que muitas vezes começa o primeiro isolamento de alguém que não se sente desse mundo, ou daquele lugar, ou dessa família, ou daquela escola. É ali que pode começar o sentimento de alguém que não se sente nem de si mesmo, e que se entrega a uma seita, a um deus, a um dogma ou simplesmente a uma obsessão, ou quem sabe a um medo profundo. O papel da família, novamente, é o olhar. Em primeiro lugar. O olhar, o perceber, o sentir. Questionar, perguntar. Perceber. Pedir ajuda, quando não sabe o que fazer.

A responsabilidade da mídia: jornais, televisão, internet. O que se faz com o fato e o que isso repercute na vida das pessoas. A internet é uma fonte de tudo-o-que-se-pode-imaginar-e-não-imaginar. Ali tem tudo, para qualquer gosto ou objetivo. Não imagino o que poderia ser feito a respeito, mas vejo-a como um terreno perigoso. É também dentro da família que esse terreno pode ser cercado, restrito. É só não ligar o PC. Também é só não ligar a TV ou abrir o jornal. Mas, será possível na contemporaneidade conviver sem isso? Não estaria a mídia dando idéias a um jovem que hoje também pensa em se vingar da vida, como o fez Wellington? Mas não se trata de culpa, novamente, e sim de responsabilidade. Todos temos a responsabilidade de refletir sobre o papel da mídia, e sobre o espaço que ela deve e/ou precisa ocupar em nossas vidas, nossa mente, nossa família. A mídia e a sociedade também devem se responsabilizar por essa reflexão: qual o papel da mídia!

E, para terminar: que pena do Rio e dos cariocas... que parecem estar afundados num mar de fatalidades tristes. Nas manchetes de jornais fora do país, não há como não relacionar esse fato isolado à toda violência “de outra natureza” – se é que posso falar assim – que ali se passa. O Rio, nos últimos tempos, tem chorado muito por suas perdas. Seja pela violência, seja pela catástrofe natural da qual foi vítima recentemente, seja por esse triste massacre de crianças por um pobre sujeito isolado e doente. E novamente me pergunto, quem são as reais vítimas. E tudo isso, espero que não fique sem as devidas reflexões frente à Copa, que se aproxima. Temos que refletir sobre isso!

8 comentários:

  1. A palavra "responsabilidade" que vc usa para ampliar a discussão no seu texto Lu, soa como um soco na boca do estômago e, pelo menos prá mim, mostra o quanto, por mais que ela se dê (ou não se dê)de forma individual, é no social que ela se reflete o tempo todo. Parabéns pelo texto!

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  2. Concordo amiga, e foi essa mesma a intenção. O que tenho visto é a tristeza das pessoas, a lamentação diante de situações como essas, mas pouca ou nenhuma sensação de responsabilidade social... obrigada pela leitura!

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  3. Essa é a melhor análise que li sobre o crime que chocou o país essa semana. A Luciana foi impecável quando mostra a responsabilizadade dos diversos setores de nossa sociedade dita "organizada".
    Em qualquer meio que se noticia o crime, busca-se um motivo para tamanha brutalidade, o que de fato não há. Podemos tentar compreender o que se passava na cabeça de Wellington, porém não há uma explicação. Na minha opinião, do ponto de vista da psiquiatria forense, não vejo indícios de doença mental que justifique o ato cometido, assim como ser tímido, sofrer bulling e ser adotado também não justificam.
    O momento é de voltarmos à reflexão das responsabilidades da sociedade que muitas vezes é excludente e discriminadora. Creio que os principais responsáveis estão na gestão pública, historicamente negligenciadores da saúde e educação. Mas também, há responsáveis nas famílias, nas escolas, nas comunidades, e na mídia. Esta última merece nossa atenção, já que aqui podemos falar livremente sem sofrer sanções.
    Vemos todos os dias repórteres entrevistando especialistas em segurança, saúde mental, pedagogos, etc, mas não se voltam para a responsabilidade da mídia, que há anos vem distorcendo e usurpando os valores morais que se apóiam uma sociedade. Cada um poderia fazer a reflexão: quais valores estão sendo difundidos em programas de reality show e telenovelas atuais? Mais: foi aleatória a ocorrência do crime justamente no Rio de Janeiro?

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  4. Nossa, Fernando, também adorei a análise que você fez sobre o que eu escrevi e sobre o fato. Muito obrigada pelo elogio, tomara que mais pessoas leiam nosso blog.

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  5. Luciana,

    fico contente por você ter gostado do texto postado hoje em meu blog. O seu texto também traz boas e grandes reflexões sobre o ocorrido no Rio.
    Parabéns por sua sensibilidade.
    Um abraço, Virgínia

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  6. Olá Virgínia, obrigada mesmo pelo elogio!! Estamos aqui, fazendo o nosso papel de provocar reflexões necessárias, não é mesmo? Abração.

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  7. Oi Luciana!

    As considerações do texto possuem um alto grau de relevância, e que não devem ser esquecidas quando o tempo passar e os meios de comunicação começarem a focar em outro assunto.
    Tomei a liberdade de compartilhar este link na minha página do Facebook.

    Abraços,
    Yasser.

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  8. Sim, Yasser, concordo!! E obrigada por divulgar nosso trabalho!
    Abraços!

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