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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"Brincadeira de mau gosto?"

Há um tempo sem produzir algo para o blog, resolvi pegar um texto emprestado da colunista da Folha de São Paulo Rosely Sayão sobre um assunto que vem se destacando em nossa sociedade e, que me despertou maior interesse desde que assisti o filme: Bullying: Provocação Sem Limites; que deixo como sugestão também a quem interessar.

SOBRA MAU GOSTO, FALTA BRINCADEIRA

ROSELY SAYÃO

Crianças são humilhadas em episódios chamados de “brincadeira de mau gosto”

A EXPRESSÃO “brincadeira de mau gosto”, agora, virou moda entre as crianças, adolescentes e até adultos.

E pior: ela tem sido usada, principalmente pelos mais novos, para explicar as situações mais absurdas e até tragédias que acontecem em nosso mundo.

Você se lembra, caro leitor, do garoto de nove anos que morreu na escola que ele freqüentava, vítima de um tiro? Pois em uma reportagem que abordava o assunto, colegas do menino chegaram a enunciar a hipótese de a tragédia ter ocorrido pelo descontrole do que seria, inicialmente, uma “brincadeira de mau gosto” entre colegas.

E o tal “rodeio das gordas”, uma espécie de jogo universitário em que alunos da UNESP do campus de Assis demonstravam interesse em paquerar alunas com sobrepeso e, depois de conquistar a atenção delas, agarravam as garotas por trás e tentavam se manter nessa posição o maior tempo possível, simulando um rodeio? Da mesma maneira, o evento foi descrito como uma “brincadeira de mau gosto”.

Em escolas, é comum crianças serem humilhadas com apelidos, por colegas, ou serem excluídas e isoladas pelos mais diversos motivos e, da mesma maneira, as crianças nomeiam tais situações com a mesma expressão.

Até programas de televisão, agora, explora, o tema com as já conhecidas “pegadinhas” que , invariavelmente, colocam pessoas em situação de vexame, humilhação etc. Pois não é que as pegadinhas são chamadas de brincadeiras? De mau gosto, é claro. Que pena que juntamos nessa expressão conceitos tão antagônicos.

Brincadeira supõe, acima de qualquer coisa, diversão das pessoas envolvidas. Brincar é um ato lúdico muito próprio da infância, e que acaba por se estender pela vida toda. O que seria da nossa vida sem as brincadeiras e o prazer que elas proporcionam? Por isso, fica difícil de entender a popularização da expressão em questão.

Sabemos que o tempo que vivemos não ajuda os mais novos a construírem um sentido para a vida. Ao contrário: vivemos uma época dominada pela cultura do tédio, situação muito bem abordada e explanada pó Yves de La Taille em seu último livro, “Formação Ética do Tédio ao Respeito de Si” (Editora Artmed). Concomitantemente, a importância do poder de um sobre o(s) outro(s) e o valor do individualismo também colaboram para esse clima de vazio da existência que começa a ser sentido por muitos, já na infância.

Em conjunto, talvez essas características do mundo contemporâneo, combinadas com algumas outras, tenham favorecido o surgimento e o crescimento das tais “brincadeiras de mau gosto’, cada vez mais freqüentes e presentes na vida dos mais novos. E é bom lembrar que o lugar de vítima e de agente, nesses casos, podem se alternar na vida de qualquer um deles.

Precisamos intervir nessa história para que crianças, adolescentes e jovens entendam que a vida social sustenta a vida pessoal e, portanto, quando não colaboramos para que os relacionamentos sociais sejam respeitosos, comprometemos nossa própria vida pessoal.

Da forma que temos permitido e inclusive participado de várias maneiras da criação dessas chamadas “brincadeiras de mau gosto”, desconstruímos o conceito tão caro do ato de brincar, principalmente na infância e, mais ainda, contribuímos decisivamente para uma cultura de desrespeito, de si e do outro. É um futuro com tais características que desejamos aos nossos filhos?

Publicado em 9 de novembro de 2010

Caderno Equilíbrio (Folha de São Paulo)

sábado, 2 de outubro de 2010

Qual a felicidade possível?


Texto escrito por Luciana Boeing e Patrícia Boeing - publicado na revista Elase, out/2010

“A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila, depois de leve, oscila
E cai como uma lágrima de amor”
Vinícius de Moraes

Pensar em felicidade sempre nos remete a alguma espécie de paraíso, poderia se tratar de uma casinha branca com flores na varanda, um prêmio na loteria ou mesmo conseguir pagar suas contas no final do mês. O fato é que a idéia de felicidade acompanha o ser falante desde os primórdios de sua existência. Alguns pensadores defendem a idéia de que a felicidade não existe, o que existiria seriam pequenas doses de satisfação repentina que irrompem na vida dos sujeitos, fruto de alguma prática virtuosa ou mesmo de um golpe de sorte, proporcionado pelo acaso. Prefiro acreditar que a felicidade está por toda parte, porém encontrá-la dependerá da posição subjetiva dos sujeitos diante de questões centrais em sua vida.
A prática clínica de hoje, nos permite testemunhar uma busca desenfreada pela tal felicidade, todo mundo quer (e deve) ser feliz e essa crença aliada à lógica de consumo é uma marca da contemporaneidade. A oferta de objetos que prometem um ideal de completude cria imperativos aos quais muito cedo já estamos submetidos: é preciso ter um corpo perfeito, o carro do ano, ser bem sucedido, encontrar um parceiro perfeito, e é claro, se tudo isso não resolver temos os tão aclamados medicamentos, as famosas pílulas da felicidade, com seu apelo de retirar o mal-estar que aflige o sujeito, proporcionando, contudo, um afastamento de suas questões mais íntimas, não permitindo que o mesmo possa questionar-se sobre o porquê daquilo que lhe acomete.
O tratamento do sofrimento através da palavra, oferta tanto da psicanálise quanto da terapia sistêmica, não tem a pretensão de prometer a felicidade, mas convida cada um a buscar o que pode significar felicidade para si. Acredito que ser feliz é possível quando a pessoa consegue suportar aquilo que a difere das outras pessoas, ou seja, sua singularidade. Felizes, também, aqueles que suportam o encontro com a surpresa, com o acaso, permitindo que os bons encontros façam parte de seu percurso.
O exercício de suportar a si mesmo, aceitar a própria singularidade, é uma construção cotidiana que requer cuidado e também prática consciente. É fruto de trabalho interno incessante, da mesma forma que lidar com as vicissitudes e imprevistos da vida, incorporando-os à própria existência e ao processo de construir-se. Talvez, por isso mesmo, tem sido bem mais fácil para a maioria dos sujeitos escolher caminhos outros, que tragam sensações momentâneas de felicidade sem, contudo, proporcionarem um verdadeiro encontro consigo. A felicidade conquistada pelo caminho do conhecer-se, por outro lado, traz a dor de enxergar-se de perto, sem máscaras nem subterfúgios, e de deparar-se com as peculiaridades do seu ser, da sua história, que tanto contará com belezas e alegrias como, da mesma forma, com a falta, com o feio, com o triste.
Conhecer a própria história e apropriar-se dela: a partir desse ponto o sujeito vê-se frente à possibilidade de construir significados para a felicidade – melhor ainda, dar sentido a ela, visto que o sentido é construção singular que cada qual faz dos significados compartilhados socialmente. Ao dar-lhe sentido, pautando-se no real, no concreto, no histórico, poderá de fato buscar e alcançar essa felicidade que lhe é cabível, que lhe é possível e, sem dúvida alguma, também singular. Que estará muito mais presente em si mesmo e em seus próprios posicionamentos, do que em algum ponto ou fato externo – justamente por seu caráter de singularidade. E é bem provável que ela não seja linear, nem tampouco uniforme, se parecendo bem mais com uma colcha de retalhos, em que o processo de construção não se parece tão harmônico quanto o resultado, porém é nele que nos aprazemos, afinal.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Nada é só bom


Por falta de tempo e de inspiração, tomo emprestadas as palavras de Eliane Brum, em um texto maravilhoso sobre o novo filme de Arnaldo Jabor. Versa sobre a tal "felicidade possível", tema que logo será novamente contemplado em nosso blog, com artigo escrito por mim e pela Patrícia. Boa leitura!

ELIANE BRUM
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).elianebrum@uol.com.br

NADA É SÓ BOM

Ao assistir ao novo filme de Arnaldo Jabor, “A Suprema Felicidade”, fiquei desesperada porque não tinha uma caneta e um bloquinho. Eu nunca ando sem uma caneta e um bloquinho. Mas assisti ao filme na abertura do Festival de Cinema do Rio, na quinta-feira (23/9), vestida para festa e com uma daquelas bolsas ridículas onde mal cabem o batom e o dinheiro do táxi. Um problema quando ouvimos uma frase realmente ótima e tudo o que encontramos para retê-la é um bastão com algum nome bizarro como “beijo fatal”. Tive de apelar para a minha péssima memória porque há no filme algumas frases imperdíveis. Daquele tipo essencial, tão boas que parecem simples e até óbvias e você quer morrer por nunca tê-las escrito. Estas frases unem as memórias do cineasta, que vão emergindo no filme do mesmo modo que as lembramos na vida – sem linearidade e só aparentemente descosturadas. Fiquei repetindo-as durante toda a sessão para mim mesma. Consegui que sobrevivessem razoavelmente ilesas. E a primeira delas é a do título desta coluna: “Nada é só bom”.
Virou meu mantra desde então. Vejo tanta gente sofrendo por aí, achando que sua vida está aquém do que deveria ser, porque tudo deveria ser só bom. Não sei quando nos enfiaram garganta abaixo esta ideia absurda de um estado de felicidade absoluta. Uma espécie de nirvana a ser alcançado em que nada mais nos perturbaria e que seríamos felizes para sempre. Na verdade, só há um jeito de isso acontecer: podemos ser felizes e mortos. Porque este estado imperturbável, imune à vida, só se alcança na morte.
Acho que a grande causa atual de infelicidade é a exigência da felicidade. É o deslocamento do lugar da felicidade para o centro da vida, como um fim a ser alcançado e a medida de uma existência que valha a pena. Se nos lembrarmos bem dos contos de fadas, o “e foram felizes para sempre” era exatamente o fim da história. Era quando o conto morria num ponto final porque não havia mais nada relevante para ser contado. Tudo o que interessava, o que nos hipnotizava e nos mantinha pedindo a nossos pais ou à professora ou a nós mesmos “de novo, conta de novo”, era o que vinha antes. O desejo, as turbulências, os avanços e recuos, os tropeços e os arrependimentos, os erros, o frio na barriga, a busca. Tudo aquilo que é a matéria da vida de todos. O que realmente importa.
Acho impressionante a quantidade de adultos pedindo um final feliz para as suas vidas, para suas histórias de amor, para o sucesso profissional. Não há nenhum mistério no final. Independentemente do que cada um acredita, o fato é que no final a vida como cada um a conhece acaba. Para viver, o que nos interessa não são os pontos finais, mas as vírgulas. Os acontecimentos do meio, o enredo entre o primeiro parágrafo e o último.
Escrevo pequenas histórias de ficção em um site de crônicas e alguns leitores se manifestam, por comentários ou por email, reclamando do desfecho. Eles me ensinam sobre esta exigência da felicidade por toda parte. Pedem, com todas as letras, “um final feliz”. Sentem-se traídos porque não dou isso a eles. Mas voltam na semana seguinte para se perturbarem com o desfecho do novo conto e reclamar mais uma vez. São adultos pedindo histórias da carochinha. E consumidores bem treinados para achar que tudo é produto de consumo.
Acham que ofereço a eles cachorro-quente. Por favor, um pouco mais de mostarda, duas salsichas, menos pimenta no molho. É muito interessante. Mas, de algum modo, algo nos meus “finais infelizes” os engata. Porque, em vez de me deixar para lá e ler algo mais “feliz”, voltam por alguma razão. Talvez descobrir se me rendi a tal da felicidade.
A ideia de felicidade como um fim em si mesmo encobre e desbota tanto a delicadeza quanto a grandeza do que vivemos hoje, faz com que olhemos para nossas pequenas conquistas, nossos amores nem sempre tão grandiloquentes, nosso trabalho às vezes chato, como se fosse pouco. Apenas porque nem a conquista nem o amor nem o trabalho é só bom. E há uma crença coletiva e alimentada pelo mundo do consumo afirmando que tudo deveria ser só bom. E se não é só bom é porque fracassamos.
Deixamos então de enxergar a beleza de nosso amor imperfeito, de nossa família imperfeita, de nosso trabalho imperfeito, de nosso corpo imperfeito, de nossos dentes imperfeitos e até de nossas taxas de colesterol imperfeitas. De nossos dias imperfeitos. Escolher como olhamos para nossa vida é um ato profundo de liberdade que temos descartado em troca de propaganda enganosa.
Tanta gente se esquece de viver o que está aí em troca desta mercadoria ordinária chamada de felicidade. Que, como toda mercadoria, tem essência de fumaça. Se tivesse de escolher entre esta felicidade de plástico que vendem por aí e a infelicidade, preferiria ser infeliz. Pelo menos, a infelicidade me faz buscar. E a felicidade absoluta é mortífera, ela mata o tempo presente.
Não tenho nenhum interesse por esta pergunta corriqueira: “Você é feliz?”. Acho uma questão irrelevante. O que me interessa perguntar a mim mesma – e pergunto a todos a quem entrevisto é: “Você deseja?”
Desejar é o contato permanente com o buraco, com a falta, com a impossibilidade de ser completo. Desejar é o que une o homem à sua vida. Une pela falta. Tem mais a ver com um estado permanente de insatisfação. Não a insatisfação que paralisa, aquela causada pela impossibilidade da felicidade absoluta; mas a insatisfação que nos coloca em movimento, carregando tudo o que somos numa busca permanente de sentido. Desejar é estar sempre no caminho, conscientes de que o fim não importa. O fim já está dado, o resto tudo é possibilidade.
No filme de Arnaldo Jabor, as melhores frases são de Noel, avô do personagem principal, vivido pelo enorme Marco Nanini. Numa ocasião ele diz ao neto: “Ninguém é feliz. Com sorte, a gente é alegre”. E completa: “A vida gosta de quem gosta dela”. Achei de uma simplicidade brilhante. É isso, afinal. É claro que há uns poucos momentos de felicidade, mas, como diz Noel em seguida, eles duram no máximo uns 10 minutos e se vão para sempre.
Em vez de ficar perdendo tempo com finais felizes ou se perguntando sobre a felicidade ou invejando a suposta felicidade do vizinho ou se sentindo mal porque não é um personagem de comercial de margarina, vale mais a pena tratar de viver. Tratar de gostar da vida para que ela goste de você.
Aliás, nada me dá mais medo do que gente que vive como se estivesse num comercial de margarina. Se aceitarem um conselho: corram dessas vidas de photoshop. Elas não existem. Gente de verdade vive do jeito possível – e tenta lembrar que o possível não é pouco. Isso não significa se acomodar, pelo contrário. Mas abrir os olhos para a novidade do mundo na soma subtraída de nossos dias, desejar a vida que nos deseja.
É como em outra frase, esta dita por um comprador ambulante de coisas antigas num momento crucial do filme. Um delirante Noel, assustado com a proximidade da morte e disposto a retomar a alegria, sacode na rua o personagem de Emiliano Queiroz, gritando: “Hoje é sábado, hoje é sábado”. E o comprador de coisas que já perderam o sentido diz a frase antológica, digna de um frasista como Nelson Rodrigues: “O sábado é uma ilusão”.
Sim, o sábado é uma ilusão. Então, lembre de viver também de segunda a sexta.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O que você quer?

Conflitos, pressões sociais e familiares, sofrimento, ansiedade, angústia. No percurso de uma vida, os indivíduos se deparam com inúmeras situações que podem instigá-los a procurar um tratamento psicológico. Trata-se, com freqüência, de pessoas que anseiam por mudanças em relação ao que fazem, pensam ou sentem, ou desejam modificar uma situação crítica de relacionamento conjugal ou familiar, embora muitas vezes não saibam exatamente como fazê-lo. Neste momento, dúvidas sobre as diferentes abordagens clínicas existentes podem surgir: Qual seria a linha clínica mais apropriada para o meu caso? Que pensamento teórico melhor explicaria aquilo que está acontecendo comigo? São algumas das diversas questões que podem surgir nesse processo. A escolha por um determinado tipo de abordagem clínica em psicologia precisa levar em conta, além da perspectiva que melhor se adapte a quem a está buscando, também o sentimento de confiança no terapeuta, o que auxiliará no tratamento.
Diante dessas questões, viemos por meio deste artigo abordar duas diferentes linhas de pensamento teórico, a saber, a psicanálise e a terapia sistêmica.
Quando um sujeito resolve descobrir o porquê do que lhe acontece, depara-se com o valor e a importância do dizer. A psicanálise trabalha com a noção do sujeito singular, trata-se de uma clínica que trata o sofrimento psíquico com a palavra, para que o paciente possa construir uma relação diferente com as causas de seu sofrimento. A análise possibilita ao sujeito descobrir o texto enigmático do discurso por ele tantas vezes repetido. A felicidade ou melancolia de um indivíduo não está inscrita em seu código genético, cada sujeito tem sua história singular. O trabalho analítico é baseado numa escuta singular, a partir do discurso do sujeito que está sofrendo, permitindo que o paciente descubra (construa) as causas de seu sofrimento, dando sentido, ou seja, significando sua história.
A terapia sistêmica, por sua vez, considera o sujeito em seu sistema de relações: na família, na escola, no trabalho, nos grupos em que vive. É dentro desses grupos, através da troca e dos aprendizados, que ele cresce e constrói significados e um sistema de valores e crenças que irão permear suas maneiras de se colocar no mundo. Nada existe se não em relação – o universo é visto como uma rede de inter-relações. A família, como matriz de identificação e, portanto, sistema primordial, é considerada uma unidade onde todos se interligam e interagem. Entre o sistema familiar e a estrutura individual há um movimento contínuo e circular de troca.
Na terapia sistêmica, todos os aspectos de uma situação problema são analisados, bem como as relações entre eles. Não existem verdades absolutas, portanto não há uma tentativa de determinar o que é certo e o que é errado, as vítimas ou os algozes, mas sim a busca de mudança daquela situação. O terapeuta trabalha no sentido de auxiliar o cliente – seja indivíduo, casal ou família – a reconhecer a si próprio e aos seus padrões de funcionamento: seu jeito de ser, de se comunicar, de sentir e de reagir às pessoas e situações. Através desse reconhecimento é possível transformar tais padrões em maneiras mais saudáveis de relacionamento consigo e com os outros.

Texto escrito pelas psicólogas Luciana Boeing, terapeuta sistêmica, e Patrícia Boeing, psicanalista.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Obesidade Mental??

Esse texto eu recebi por e-mail e achei válido postar em nosso blog. Afinal, lidamos com a mente. Já falamos em transtornos alimentares, talvez falte falar agora desse novo conceito: A "obesidade mental". Segue:

A Obesidade Mental - Andrew Oitke

Por João César das Neves

O prof. Andrew Oitke, publicou o seu polêmico livro "Mental Obesity", que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard, introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.
"Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses."

Segundo o autor, "a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas.
Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada.
Os cozinheiros desta magna "fast food" intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema.
Os telejornais são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação.
O problema central está na família e na escola. «Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate. Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas.
Com uma “alimentação intelectual” tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada.”
Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado "Os Abutres", afirma:
“O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas.
A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.”
O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polêmico e chocante. “Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais.”
Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura.
"O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades.
Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy.
Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve.
Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê.
Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto".
As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras.
"Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência.
A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxa ou doentia.
Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo.
Não se trata de uma decadência, uma «idade das trevas» ou o fim da civilização, como tantos apregoam. É só uma questão de obesidade.

O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos.
O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos.
Precisa sobretudo de dieta mental."

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Como estudar nesse frio??


Acabo de participar de um chat no site da RBS respondendo a perguntas de vestibulando de todo o estado de SC. Muitas delas se referiam ao frio que estamos passando por aqui e como continuar estudando quando o chamado da cama e das cobertas é mais forte...

Pois bem: com esse frio, sei o quanto é difícil estudar, trabalhar, sair de casa, até! Mas, mesmo considerando que temos mais um mês no máximo com essas temperaturas, valem algumas dicas para nossos queridos estudantes e aspirantes a uma vaga na universidade:

1. Se não consegue acordar tão cedo para estudar, não se culpe. Durma até um pouco mais tarde, mas para compensar “empurre” o almoço para mais tarde também. É comum ficarmos mais preguiçosos após o almoço, pois nosso corpo foca na digestão e nos instiga a descansar um pouco. E é importante mesmo que descansemos para poder ter pique durante o resto da tarde. Então, se acordarmos um pouco depois do habitual mas almoçarmos também um pouco depois, aproveitamos a manhã, descansamos um pouco após o almoço e reiniciamos o estudo no meio da tarde.

2. Tente praticar alguma atividade física. Ela ajuda a aquecer, além de também ajudar o cérebro a produzir serotonina e endorfinas, que levam à sensação de prazer e bem-estar e aumentam a disposição para qualquer outra atividade. Se não tem disposição para sair de casa, ligue o som no seu quarto ou na sala e dançe!

3. Se alimente bem, sem exageros. Evite refrigerantes, balas, salgadinhos e fast-food . Abuse das frutas, verduras, legumes. Ingira carboidratos e proteínas. Nada de dietas em ano de vestibular, pois estudar exige foco e consome energia! Se está com frio e não deseja tanto comer frutas, experimente uma banana no microondas com canela e um pouco de açúcar mascavo. Ou acrescente gengibre ao suco de abacaxi. Os legumes e verduras ficam excelentes em sopas, que aquecem muito! Chás são uma ótima opção, também, e podem mantê-lo aquecido durante todo o estudo... um pedaço de chocolate ajuda a animar e repõe todas as energias.

4. Se agasalhe. Nada de passar frio! Estude debaixo de uma manta se for preciso, e não deixe de cobrir as extremidades do corpo – é a partir delas que perdemos mais calor. Cabeça, pescoço, pés e mãos agasalhados nos mantêm quentinhos e até permitem que não precisemos nos “atulhar” de blusas e casacos pesados. Talvez as luvas atrapalhem na hora de escrever, então tenha por perto algum óleo ou hidratante para espalhar nas mãos e esfregar uma na outra, esquenta e já ajuda a evitar o ressecamento.

5. Lembre-se de que o inverno acaba. Se o ritmo de estudo decair um pouco nesses dias frios, “não esquente”. Daqui a pouco chega a primavera e você pode dar aquele pique.

Outras dicas são importantes: planeje seus estudos e seu tempo, permitindo-se descansar ao menos uma vez por semana, e faça nesse dia coisas de que gosta – só cuide para evitar atividades que lhe tirem muito o foco do estudo do dia seguinte. Entre uma matéria e outra que estudar, respire profundamente e alongue-se, espreguiçando. Beba muita água. Durma o necessário, para não acumular cansaço. Evite aquelas pessoas que te deixam mais ansioso ainda com o vestibular, esse momento final é de maior introspecção e concentração. Não se apavore com o que ainda falta estudar, faça um planejamento possível de ser cumprido e mande ver nos estudos, um dia após o outro. Lembre-se: ainda faltam três meses e meio para os principais vestibulares, e nesse tempo você pode mudar seu resultado. E, principalmente, confie em você, imagine-se cursando a graduação e a faculdade escolhidas em 2011!

Tenham todos um excelente segundo semestre e um feliz ingresso na universidade.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Transtorno alimentar: uma problemática quase invisível?

Um relatório divulgado pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre receitas de remédios que visam o emagrecimento, “sugere um desvio de prescrição em relação às drogas anorexígenas ... [ ] mostra que, entre os dez maiores prescritores de sibutramina no país, está um médico especialista em medicina do tráfego. Entre os dez que mais receitam anfepramona (outro tipo de anorexígeno) estão um ginecologista e um gastroenterologista. O maior prescritor do femproporex (outra droga do tipo) é um dermatologista. No caso do mazindol, um quarto remédio da categoria, há um pediatra entre os que mais receitam. Os dados fazem parte do primeiro relatório do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados... [ ]. A análise dos dados também revela que em 2009 foram vendidas quase seis toneladas de anorexígenos no país. Desse total, a sibutramina responde por quase duas toneladas e a anfepramona, por três ... [ ] é como se todo brasileiro tivesse ingerido um comprimido do remédio (sibutramina) em um dia no ano” (Folha de São Paulo – caderno Saúde do dia 31/03/2010).

Dados expressivos como esses me fazem pensar que existe uma problemática relacionada ao reconhecimento de transtornos de ordem alimentar, que, se parece invisível até mesmo para alguns da classe médica, o que dirá para leigos (as) sujeitos (as) a toda uma pressão advinda de uma cultura da estética (leia-se magreza) imposta pela sociedade atual da qual compactuamos e retro-alimentamos. Para Debord (1997), o contexto social e cultural pós-moderno, favorece o aumento da incidência de transtornos alimentares, por haver uma articulação entre a subjetividade e os interesses sociais. Outros estudiosos do assunto, afirmam que a gravidade, a multidimensionalidade da problemática dos transtornos alimentares, a multifatorialidade de causas e o seu difícil manejo, exige uma intervenção abrangente e interdisciplinar. Estão envolvidos fatores psicológicos, biológicos, familiares e sócio-culturais, não sendo possível determinar se há predomínio de um fator sobre o outro. Os mesmos fatores citados são entendidos também como mantenedores dessas desordens (Nunes et al, 1998) o que atesta a complexidade da situação e a necessidade de um esforço conjunto para a compreensão e enfrentamento da problemática.

Estou me referindo aqui, mais especificamente, a transtornos graves como a Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa que iniciam com um comportamento alimentar inadequado para a manutenção da saúde que, por vezes passa despercebido por muito tempo por familiares e amigos até se tornarem efetivamente riscos para a sobrevivência de quem sofre deste tipo de transtorno. Sabe-se que, tanto a anorexia como a bulimia, são tipicamente psicopatologias, pois a subjetividade expressada através do fator emocional é preponderante para o aparecimento dos sintomas. Estas síndromes, por vezes se cruzam, se revezam e se inter-relacionam. Dados estatísticos revelam que 20 a 30% das bulímicas apresentam quadro anterior de anorexia nervosa e 50% das anoréxicas apresentam episódios bulímicos. Ambos têm apresentado aumento significativo da incidência na atualidade. A prevalência da anorexia é de 0,5% a 2,0% de adultos jovens ocidentais, entre as idades de 13 a 18 anos, raramente antes da puberdade. Para a bulimia, a ocorrência é prevalente entre as idades de 18 a 24 anos e ocorre em 1 a 1,5% da população geral. Ambas são mais freqüentes no sexo feminino na proporção de 1:10 (Vilela, 2000).

É importante que as famílias e pessoas mais próximas estejam atentas às manifestações e características destes transtornos de modo a percebê-los e tratá-los precocemente com a devida atenção, buscando, de preferência, ajuda profissional de equipe interdisciplinar qualificada.

· medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gorda(o), estabelecendo um baixo limiar de peso a si própria(o), mesmo estando com baixo peso.

· distorção da imagem corporal (sensação e percepção de estar gorda mesmo estando muito magra).

· utilização de mecanismos compensatórios para evitar ganho de peso através da auto indução de vômitos, uso de laxantes, anorexígenos e diuréticos, além de exercícios físicos intensivos e vigorosos.

· períodos de restrição alimentar, seguidos ou não de episódios de compulsão

alimentar

· foco excessivo na questão alimentar.


* em Florianópolis o tratamento em Transtornos alimentares é administrado nas dependências do Núcleo de Capacitação Técnica do HU, pelo Programa de Residência Médica Psiquiátrica do IPQ, com atendimento médico psiquiátrico sob preceptoria do Dr Luiz Rath, além de grupos de psicoterapia e de familiares realizados pelas psicólogas Selma Caselli e Rosana Borchardt.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

SOBREVIVENTES

Essa semana recebi um e-mail com o título: Sobreviventes.

Fala sobre a infância de quem viveu na época dos anos 60, 70 e 80. Ao mesmo tempo que foi delicioso relembrar algumas coisas das quais ainda tive a oportunidade de vivenciar, também li o e-mail com um olhar psicológico, o que as vezes é inevitável.

O e-mail inicia assim:

“RESPONDA UMA COISA:

Você que teve sua infância durante os anos 60, 70, 80...

Como pôde sobreviver?”

E então começa a citar diversas situações que as crianças dessas épocas vivenciavam, principalmente as brincadeiras ao ar livre, envolvendo criatividade e muita atividade corporal.

“A gente andava de bicicleta para lá e pra cá, sem capacete, joelheiras, caneleiras e cotoveleiras...”

“Bebíamos água da torneira, de uma mangueira, ou de uma fonte e não águas minerais em garrafas ditas “esterilizadas”...”

“Construíamos aqueles famosos carrinhos de rolimã e aqueles que tinham a sorte de morar perto de uma ladeira asfaltada, podiam tentar bater records de velocidade e até verificar no meio do caminho que tinham “economizado” a sola dos sapatos, que eram usados como freios... E estavam descalços...

Alguns acidentes depois... Todos esses problemas estavam resolvidos!”

“Íamos brincar na rua com uma única condição: Voltar para casa ao anoitecer!

Não havia celulares... E nossos pais não sabiam onde estávamos! Incrível!!”

“Tínhamos aulas só de manhã, e íamos almoçar em casa.”

“Gessos, dentes partidos, joelhos ralados...Alguém se queixava disso?”

“A pé ou de bicicleta, íamos à casa dos nossos amigos, mesmo que morassem a kms de nossa casa.”

“Comíamos doces à vontade, pão com manteiga, bebidas com (o perigoso) açúcar. Não se falava de obesidade – brincávamos sempre na rua e éramos super ativos...”

“Dividíamos com nossos amigos uma Tubaína comprada naquela vendinha da esquina, gole a gole e nunca ninguém morreu por isso...”

“Nada de Playstations, Nintendo 64, X boxes, jogos de Vídeo, Internet por satélite, videocassete, Dolby surround, celular com câmera, computador, chats na internet... Só amigos.”

“É verdade! Lá fora, nesse mundo cinzento e sem segurança! Como era possível? Jogávamos futebol na rua, com a trave sinalizada por duas pedras, e mesmo que não fôssemos escalados... ninguém ficava frustrado e nem era o “fim do mundo”!”

Esses são só alguns trechos citados no e-mail que me trouxeram algumas reflexões.

Ocorreu uma mudança concreta no mundo que vivemos, não existe mais essa segurança que permitia uma enorme liberdade às crianças e a tranqüilidade aos pais. Aconteceram também mudanças tecnológicas, o grande avanço nessa área trouxe uma grande variedade de jogos eletrônicos que seduz as crianças e jovens. Talvez a junção de um “mundo perigoso” nas ruas com a oferta de brinquedos eletrônicos com a segurança do lar trouxe para a geração atual certo comodismo. Hoje os brinquedos vêm prontos, é só abrir a embalagem e jogar, são complexos e exigem raciocínio lógico e rápido. Ou seja, ao mesmo tempo que limitam a criação de novos brinquedos e brincadeiras ativas envolvendo habilidades corporais, também dão agilidade de raciocínio, fazem as coisas acontecerem rápido e assim dão um ritmo mais acelerado e dinâmico para o dia-a-dia.

Nossa sociedade exige esse ritmo dinâmico que nos traz velocidade e facilidade de comunicação, mas que também pode adoecer por isso. Um excesso de estímulos dificulta a concentração e assim traz dificuldades para concluir as atividades. Essa dificuldade de discriminar e se organizar em meio a tantas informações é chamada de ansiedade de informação pelo americano Richard Saul Wurman autor do livro “Ansiedade de Informação”. Esse excesso contribui para adultos ansiosos e inseguros frente ao seu desempenho perante a vida de um modo geral, sentindo-se sempre aquém das expectativas da sociedade, e crianças e adolescentes que não aprendem a lidar com fracassos de uma forma mais natural, numa sociedade, que de fato é cruel nas suas exigências e competitividade.

Ficam as contradições... Os avanços tecnológicos que nos facilitam a vida em muitos momentos e também são importantes e fundamentais instrumentos de comunicação e integração de conhecimentos entre adultos, jovens e crianças de um lado e de outro a falta de tempo e percepção para os pequenos prazeres e sutilezas do dia-a-dia e das relações humanas.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Sobre o filme Precious: violência doméstica, abuso e saúde mental

Trazendo de volta o tema da relação pais e filhos e procurando integrá-lo à discussão acerca da repercussão em sua saúde mental, aproveito para comentar um pouco sobre o filme Precious que assisti recentemente. O filme que traz temas, já abordados neste blog, como o bullying e a complexidade das relações familiares, trata principalmente deste último, porém do ponto de vista da extrema violência doméstica tanto psicológica como sexual, chegando a chocar pela crueza das cenas. Filme independente e de baixo orçamento dirigido por Lees Daniels em 2009, foi baseado no livro Push de Sapphire (1996) proveniente de uma versão criativa da experiência de vida da autora como atendente em um abrigo para mulheres do Harlem, subúrbio americano. Precious, a protagonista, é uma garota de 16 anos, negra, obesa, que mora com a mãe, com a filha que tem síndrome de Down e uma irmã mais nova, no bairro do Harlem. O detalhe sórdido da história desta garota é que sua filha é também filha de seu pai, alcoólatra, que a abusava sexualmente desde os 4 anos de idade, com a anuência da mãe, tendo-a engravidado pela segunda vez em uma de suas visitas à casa da família. A partir desta segunda gravidez e concomitantemente à saída da Escola que freqüentava por, reagir agressivamente às gozações de colegas, além de viver à margem, totalmente inadaptada onde sequer aprendera a ler, Precious inicia mesmo sem perceber, uma jornada no sentido de tentar uma mudança de rumo em sua vida, com a ajuda de uma assistente social e depois de uma professora que conheceu na Escola experimental para a qual foi enviada. Esta última, representa para Precious a pessoa capaz de ressignificar profundamente as palavras amor e aceitação, chegando a verbalizar a esta, seu estranhamento por não estar acostumada a ser bem tratada. O que me chama a atenção na história de Precious é a maneira quase abnegada com que lida com seus dramas pessoais, não me lembro de ter visto revolta em seus olhos ou atitudes, apenas instinto de sobrevivência algumas vezes, quando reage a agressões de colegas, ou quando rouba um pacote de frango frito para alimentar-se antes de ir para a Escola. Nas cenas em que é estuprada pelo pai, ela envolve-se em um exercício de imaginação fantasiosa, na qual se vê, apresentando-se em um palco recebendo ao final, flores e aplausos, reconhecimento que jamais conhecera em sua vida real. Talvez fosse este o único recurso possível a que tivesse acesso para manter minimamente sua saúde mental. Em casa, sua mãe obesa, fumante e queixosa, a obriga a trabalhar para ela e a comer mais do que o necessário, numa relação paradoxal e destruidora de sua, já tão pouca, auto-estima. O tratamento dispensado a esta filha é ofensivamente abusivo e cruel, muito além da indiferença, invalidando no dia-a-dia qualquer potencial criativo que esta pudesse vir a manifestar. Em sua casa, ela não é uma pessoa com desejos, necessidades ou potencial, sendo desqualificada o tempo todo e apresentando-se incrivelmente sem reação, até ser jogada escada abaixo pela mãe, com o segundo filho recém nascido nos braços. Sua atitude de fato, virá somente ao final do filme, quando é colocada frente a frente com a mãe, numa audiência em que esta é chamada a dar explicações para o incesto que ocorria em sua casa. O pai, nesta ocasião, já havia morrido de AIDS. A mãe tenta explicar-se, numa atuação histriônica, porém acaba admitindo saber do incesto, porém negando-se a reconhecê-lo para não perder o “seu homem” e provedor da família. Admite também, de forma mais uma vez paradoxal, ter ciúmes da filha que chamava de “meu bebê” por ter roubado “seu homem” desde pequenininha. Nesse momento, em um final surpreendente, Precious acaba por dar uma guinada, seja por instinto materno, impulso, alguma consciência de si e da situação, ou o que se queira imaginar que esteja por trás de sua atitude. Embora o filme não mostre uma saída muito clara para Precious, ela sai da audiência carregando os dois filhos no colo, sabe-se lá para onde, levando porém, consigo um ar de esperança e auto-confiança, dando significado a uma integridade não abalada apesar de tudo, nos dando a esperança de, quem sabe, poder fazer um pouco diferente com seus filhos do que foi feito com ela. Este filme nos faz pensar sob vários aspectos do ser humano, incluindo desde os melhores aos mais sombrios também. Mas, aproveitando a discussão trazida pelo último post do Fernando acerca do bio-psico-social na vida das pessoas e sua saúde mental, poderíamos nos perguntar quantas Precious em suas singularidades nós conhecemos (lembrando que singularidade é mais do que individualidade), poderiam não ter suportado com um mínimo de saúde mental, obviamente dentro das suas possibilidades e recursos, tamanha pressão e adversidade.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ainda somos os mesmos e vivemos... como nossos filhos?

“Ser jovem deixou de ser uma etapa da vida para se transformar em um estilo de viver. Isso significa que, quando a criança entra na adolescência, ela passa a se relacionar com adultos iguais a ela, ou seja, tão jovens quanto ela. Na questão educativa, esse é um fato complicador. A adolescência é o tempo de amadurecer, mas, se os pais não ajudarem o filho a entrar na maturidade, ele continuará a agir de modo infantilizado.”

http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br/

As palavras de Rosely Sayão, educadora e psicóloga de renome, em seu blog, nos levam a pensar no que alguns pais têm feito – ou deixado de fazer – a respeito da educação de seus filhos. Pais amigos, pais liberais, pais que poderiam estar formando adultos responsáveis, autônomos e seguros, mas não o estão de fato, por um detalhe: não sabem assumir, ao menos em determinadas situações, a posição de adultos perante seus filhos.

O adulto – palavra chata, essa – ao olhar do adolescente, do jovem[i], é aquele que dá o limite, aquele que frustra. Através do olhar, da palavra, do gesto. Representa o “não, você não pode”, “você não vai”, “você não deve”... e assim por diante. Por outro lado, é um modelo a ser seguido, afinal os jovens também anseiam alcançar a vida adulta um dia. Mas, em uma sociedade que valoriza e embeleza a juventude, o papel do adulto tem sido deixado, na maioria das vezes, em último plano. Ninguém quer assumir o posto de chato. Ser jovem é muito mais bacana! Dá status, dá poder – inclusive no âmbito do trabalho, onde o mercado cada vez mais incorpora o profissional “super” disposto, disponível, criativo, ágil... jovem.

Mas, quem perde com isso?

Os filhos, em primeiro lugar, que não encontram em casa aqueles que lhes darão os limites necessários para que se tornem adultos seguros, responsáveis e autônomos. Em consequência, perdem o modelo, por um lado, e não desejam ser adultos, por outro – acabam por não ver na vida adulta algum atrativo. Será que logo teremos um mundo só de jovens, só de iguais, repetições de um mesmo modelo? Talvez então a sociedade seja aquela que perde em segundo lugar.
No pacote “jovem” adotado por muitos adultos na contemporaneidade, não há espaço para o papel de cuidador, de educador. Pois cuidar dá trabalho, exige tempo – sacrifício daquele dedicado a si próprio, e muita, mas muita disposição. E educar implica – entre outras coisas – dizer não. Implica ser chato, às vezes. Não se trata de não ser amigo dos filhos, mas sim de dar-lhes o limite necessário não só para que aprendam a lidar com frustrações – das quais, diga-se de passagem, o mundo está repleto – mas também para que acabem tendo que reservar, para si e para os “seus”, certos segredos que lhes garantam entre outros aspectos um espaço de construção da própria singularidade.
Os pais de hoje – não todos, evidentemente – estão jogando fora a oportunidade de serem adultos para seus filhos. De dar-lhes a segurança do limite, do não. De dar-lhes, inclusive, a chance de experimentarem a diferença em relação àqueles que os geriram. Afinal, qual o problema em “envelhecer”, aceitar as mudanças de ciclos, abrir mão de um lugar, de um papel? É claro que as novas gerações virão com um novo discurso, desejarão – mesmo que muitas vezes isso aconteça somente na fachada – trocar o velho pelo novo... tem sido assim por muitos e muitos anos. E que problema há nisso?

O problema é que, hoje, ninguém quer abandonar a própria juventude, sob o risco de ser visto como ultrapassado, pelo medo de perder seu espaço, de ser descartado... estamos na era do descartável, afinal. Então, mais seguro engessar o tempo! Vã ilusão, com um tanto de egoísmo. Afinal, quando éramos jovens, também queríamos ter algo para transgredir – e um porto seguro para voltar, depois disso, quando algumas vezes percebíamos que a experiência dos mais velhos havia falado mais alto. E isso, certamente, nos fazia mais próximos da vida adulta.




[i] Aqui entende-se que não há “o jovem”, pois existem variadas formas de ser jovem.