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sábado, 2 de outubro de 2010

Qual a felicidade possível?


Texto escrito por Luciana Boeing e Patrícia Boeing - publicado na revista Elase, out/2010

“A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila, depois de leve, oscila
E cai como uma lágrima de amor”
Vinícius de Moraes

Pensar em felicidade sempre nos remete a alguma espécie de paraíso, poderia se tratar de uma casinha branca com flores na varanda, um prêmio na loteria ou mesmo conseguir pagar suas contas no final do mês. O fato é que a idéia de felicidade acompanha o ser falante desde os primórdios de sua existência. Alguns pensadores defendem a idéia de que a felicidade não existe, o que existiria seriam pequenas doses de satisfação repentina que irrompem na vida dos sujeitos, fruto de alguma prática virtuosa ou mesmo de um golpe de sorte, proporcionado pelo acaso. Prefiro acreditar que a felicidade está por toda parte, porém encontrá-la dependerá da posição subjetiva dos sujeitos diante de questões centrais em sua vida.
A prática clínica de hoje, nos permite testemunhar uma busca desenfreada pela tal felicidade, todo mundo quer (e deve) ser feliz e essa crença aliada à lógica de consumo é uma marca da contemporaneidade. A oferta de objetos que prometem um ideal de completude cria imperativos aos quais muito cedo já estamos submetidos: é preciso ter um corpo perfeito, o carro do ano, ser bem sucedido, encontrar um parceiro perfeito, e é claro, se tudo isso não resolver temos os tão aclamados medicamentos, as famosas pílulas da felicidade, com seu apelo de retirar o mal-estar que aflige o sujeito, proporcionando, contudo, um afastamento de suas questões mais íntimas, não permitindo que o mesmo possa questionar-se sobre o porquê daquilo que lhe acomete.
O tratamento do sofrimento através da palavra, oferta tanto da psicanálise quanto da terapia sistêmica, não tem a pretensão de prometer a felicidade, mas convida cada um a buscar o que pode significar felicidade para si. Acredito que ser feliz é possível quando a pessoa consegue suportar aquilo que a difere das outras pessoas, ou seja, sua singularidade. Felizes, também, aqueles que suportam o encontro com a surpresa, com o acaso, permitindo que os bons encontros façam parte de seu percurso.
O exercício de suportar a si mesmo, aceitar a própria singularidade, é uma construção cotidiana que requer cuidado e também prática consciente. É fruto de trabalho interno incessante, da mesma forma que lidar com as vicissitudes e imprevistos da vida, incorporando-os à própria existência e ao processo de construir-se. Talvez, por isso mesmo, tem sido bem mais fácil para a maioria dos sujeitos escolher caminhos outros, que tragam sensações momentâneas de felicidade sem, contudo, proporcionarem um verdadeiro encontro consigo. A felicidade conquistada pelo caminho do conhecer-se, por outro lado, traz a dor de enxergar-se de perto, sem máscaras nem subterfúgios, e de deparar-se com as peculiaridades do seu ser, da sua história, que tanto contará com belezas e alegrias como, da mesma forma, com a falta, com o feio, com o triste.
Conhecer a própria história e apropriar-se dela: a partir desse ponto o sujeito vê-se frente à possibilidade de construir significados para a felicidade – melhor ainda, dar sentido a ela, visto que o sentido é construção singular que cada qual faz dos significados compartilhados socialmente. Ao dar-lhe sentido, pautando-se no real, no concreto, no histórico, poderá de fato buscar e alcançar essa felicidade que lhe é cabível, que lhe é possível e, sem dúvida alguma, também singular. Que estará muito mais presente em si mesmo e em seus próprios posicionamentos, do que em algum ponto ou fato externo – justamente por seu caráter de singularidade. E é bem provável que ela não seja linear, nem tampouco uniforme, se parecendo bem mais com uma colcha de retalhos, em que o processo de construção não se parece tão harmônico quanto o resultado, porém é nele que nos aprazemos, afinal.