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terça-feira, 25 de maio de 2010

Sobre o filme Precious: violência doméstica, abuso e saúde mental

Trazendo de volta o tema da relação pais e filhos e procurando integrá-lo à discussão acerca da repercussão em sua saúde mental, aproveito para comentar um pouco sobre o filme Precious que assisti recentemente. O filme que traz temas, já abordados neste blog, como o bullying e a complexidade das relações familiares, trata principalmente deste último, porém do ponto de vista da extrema violência doméstica tanto psicológica como sexual, chegando a chocar pela crueza das cenas. Filme independente e de baixo orçamento dirigido por Lees Daniels em 2009, foi baseado no livro Push de Sapphire (1996) proveniente de uma versão criativa da experiência de vida da autora como atendente em um abrigo para mulheres do Harlem, subúrbio americano. Precious, a protagonista, é uma garota de 16 anos, negra, obesa, que mora com a mãe, com a filha que tem síndrome de Down e uma irmã mais nova, no bairro do Harlem. O detalhe sórdido da história desta garota é que sua filha é também filha de seu pai, alcoólatra, que a abusava sexualmente desde os 4 anos de idade, com a anuência da mãe, tendo-a engravidado pela segunda vez em uma de suas visitas à casa da família. A partir desta segunda gravidez e concomitantemente à saída da Escola que freqüentava por, reagir agressivamente às gozações de colegas, além de viver à margem, totalmente inadaptada onde sequer aprendera a ler, Precious inicia mesmo sem perceber, uma jornada no sentido de tentar uma mudança de rumo em sua vida, com a ajuda de uma assistente social e depois de uma professora que conheceu na Escola experimental para a qual foi enviada. Esta última, representa para Precious a pessoa capaz de ressignificar profundamente as palavras amor e aceitação, chegando a verbalizar a esta, seu estranhamento por não estar acostumada a ser bem tratada. O que me chama a atenção na história de Precious é a maneira quase abnegada com que lida com seus dramas pessoais, não me lembro de ter visto revolta em seus olhos ou atitudes, apenas instinto de sobrevivência algumas vezes, quando reage a agressões de colegas, ou quando rouba um pacote de frango frito para alimentar-se antes de ir para a Escola. Nas cenas em que é estuprada pelo pai, ela envolve-se em um exercício de imaginação fantasiosa, na qual se vê, apresentando-se em um palco recebendo ao final, flores e aplausos, reconhecimento que jamais conhecera em sua vida real. Talvez fosse este o único recurso possível a que tivesse acesso para manter minimamente sua saúde mental. Em casa, sua mãe obesa, fumante e queixosa, a obriga a trabalhar para ela e a comer mais do que o necessário, numa relação paradoxal e destruidora de sua, já tão pouca, auto-estima. O tratamento dispensado a esta filha é ofensivamente abusivo e cruel, muito além da indiferença, invalidando no dia-a-dia qualquer potencial criativo que esta pudesse vir a manifestar. Em sua casa, ela não é uma pessoa com desejos, necessidades ou potencial, sendo desqualificada o tempo todo e apresentando-se incrivelmente sem reação, até ser jogada escada abaixo pela mãe, com o segundo filho recém nascido nos braços. Sua atitude de fato, virá somente ao final do filme, quando é colocada frente a frente com a mãe, numa audiência em que esta é chamada a dar explicações para o incesto que ocorria em sua casa. O pai, nesta ocasião, já havia morrido de AIDS. A mãe tenta explicar-se, numa atuação histriônica, porém acaba admitindo saber do incesto, porém negando-se a reconhecê-lo para não perder o “seu homem” e provedor da família. Admite também, de forma mais uma vez paradoxal, ter ciúmes da filha que chamava de “meu bebê” por ter roubado “seu homem” desde pequenininha. Nesse momento, em um final surpreendente, Precious acaba por dar uma guinada, seja por instinto materno, impulso, alguma consciência de si e da situação, ou o que se queira imaginar que esteja por trás de sua atitude. Embora o filme não mostre uma saída muito clara para Precious, ela sai da audiência carregando os dois filhos no colo, sabe-se lá para onde, levando porém, consigo um ar de esperança e auto-confiança, dando significado a uma integridade não abalada apesar de tudo, nos dando a esperança de, quem sabe, poder fazer um pouco diferente com seus filhos do que foi feito com ela. Este filme nos faz pensar sob vários aspectos do ser humano, incluindo desde os melhores aos mais sombrios também. Mas, aproveitando a discussão trazida pelo último post do Fernando acerca do bio-psico-social na vida das pessoas e sua saúde mental, poderíamos nos perguntar quantas Precious em suas singularidades nós conhecemos (lembrando que singularidade é mais do que individualidade), poderiam não ter suportado com um mínimo de saúde mental, obviamente dentro das suas possibilidades e recursos, tamanha pressão e adversidade.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ainda somos os mesmos e vivemos... como nossos filhos?

“Ser jovem deixou de ser uma etapa da vida para se transformar em um estilo de viver. Isso significa que, quando a criança entra na adolescência, ela passa a se relacionar com adultos iguais a ela, ou seja, tão jovens quanto ela. Na questão educativa, esse é um fato complicador. A adolescência é o tempo de amadurecer, mas, se os pais não ajudarem o filho a entrar na maturidade, ele continuará a agir de modo infantilizado.”

http://blogdaroselysayao.blog.uol.com.br/

As palavras de Rosely Sayão, educadora e psicóloga de renome, em seu blog, nos levam a pensar no que alguns pais têm feito – ou deixado de fazer – a respeito da educação de seus filhos. Pais amigos, pais liberais, pais que poderiam estar formando adultos responsáveis, autônomos e seguros, mas não o estão de fato, por um detalhe: não sabem assumir, ao menos em determinadas situações, a posição de adultos perante seus filhos.

O adulto – palavra chata, essa – ao olhar do adolescente, do jovem[i], é aquele que dá o limite, aquele que frustra. Através do olhar, da palavra, do gesto. Representa o “não, você não pode”, “você não vai”, “você não deve”... e assim por diante. Por outro lado, é um modelo a ser seguido, afinal os jovens também anseiam alcançar a vida adulta um dia. Mas, em uma sociedade que valoriza e embeleza a juventude, o papel do adulto tem sido deixado, na maioria das vezes, em último plano. Ninguém quer assumir o posto de chato. Ser jovem é muito mais bacana! Dá status, dá poder – inclusive no âmbito do trabalho, onde o mercado cada vez mais incorpora o profissional “super” disposto, disponível, criativo, ágil... jovem.

Mas, quem perde com isso?

Os filhos, em primeiro lugar, que não encontram em casa aqueles que lhes darão os limites necessários para que se tornem adultos seguros, responsáveis e autônomos. Em consequência, perdem o modelo, por um lado, e não desejam ser adultos, por outro – acabam por não ver na vida adulta algum atrativo. Será que logo teremos um mundo só de jovens, só de iguais, repetições de um mesmo modelo? Talvez então a sociedade seja aquela que perde em segundo lugar.
No pacote “jovem” adotado por muitos adultos na contemporaneidade, não há espaço para o papel de cuidador, de educador. Pois cuidar dá trabalho, exige tempo – sacrifício daquele dedicado a si próprio, e muita, mas muita disposição. E educar implica – entre outras coisas – dizer não. Implica ser chato, às vezes. Não se trata de não ser amigo dos filhos, mas sim de dar-lhes o limite necessário não só para que aprendam a lidar com frustrações – das quais, diga-se de passagem, o mundo está repleto – mas também para que acabem tendo que reservar, para si e para os “seus”, certos segredos que lhes garantam entre outros aspectos um espaço de construção da própria singularidade.
Os pais de hoje – não todos, evidentemente – estão jogando fora a oportunidade de serem adultos para seus filhos. De dar-lhes a segurança do limite, do não. De dar-lhes, inclusive, a chance de experimentarem a diferença em relação àqueles que os geriram. Afinal, qual o problema em “envelhecer”, aceitar as mudanças de ciclos, abrir mão de um lugar, de um papel? É claro que as novas gerações virão com um novo discurso, desejarão – mesmo que muitas vezes isso aconteça somente na fachada – trocar o velho pelo novo... tem sido assim por muitos e muitos anos. E que problema há nisso?

O problema é que, hoje, ninguém quer abandonar a própria juventude, sob o risco de ser visto como ultrapassado, pelo medo de perder seu espaço, de ser descartado... estamos na era do descartável, afinal. Então, mais seguro engessar o tempo! Vã ilusão, com um tanto de egoísmo. Afinal, quando éramos jovens, também queríamos ter algo para transgredir – e um porto seguro para voltar, depois disso, quando algumas vezes percebíamos que a experiência dos mais velhos havia falado mais alto. E isso, certamente, nos fazia mais próximos da vida adulta.




[i] Aqui entende-se que não há “o jovem”, pois existem variadas formas de ser jovem.

sábado, 1 de maio de 2010

Sobre a escolha profissional

Ainda falando de escolhas, gostaria de sugerir também a leitura de reportagem em que falo da escolha profissional - como pode ser feita, o que esperar dela, algumas dicas para quem escolhe e para os familiares. Visitem!

Boa leitura, e boas escolhas!

A Escolha de Alice


Quem já teve a oportunidade de assistir ao filme “Alice no País das Maravilhas”, que estreou em Floripa há poucos dias, pôde contar com lindos efeitos em 3D, uma maravilhosa atuação de Johnny Depp como o chapeleiro maluco, de Mia Wasikowska como Alice, além é claro da malvadeza perfeita da Rainha Vermelha interpretada por Helena Bonham Carter e da bondade afetada da Rainha Branca na pele de Anne Hathaway. Deixando de lado questões de técnica e a criatividade genial do diretor, Tim Burton, vale à pena refletirmos um pouco sobre a atualidade da estória – baseada principalmente no clássico escrito pelo inglês Lewis Caroll em 1865 – que traz Alice nove anos depois do conto original, agora com 19 anos.

Todos, ou quase todos, conhecem a popular estória de Alice, que entra por um buraco no jardim chegando ao país das maravilhas, um local fantástico e onírico com criaturas esquisitas e situações totalmente surreais. Alice é uma menina esperta, teimosa e corajosa, e isso não muda no filme que a traz nove anos mais tarde. Desta vez, ela encontra o buraco e cai nele após fugir de um 'pedido de casamento surpresa' feito pelo filho de um amigo de seu pai (já falecido): um lorde com jeito esquisito que a pede para lavar as mãos após Alice ter tirado de seu ombro uma lagarta azul. A mesma lagarta Alice encontrará nos instantes seguintes, em seu sonho que dura horas, porém não excede alguns minutos na vida real – como aliás em qualquer sonho – onde seu pretendente espera ansioso pela resposta.

Lá, no país das maravilhas, ela reencontra os velhos amigos que fez quando criança: o coelho branco, a lebre, o chapeleiro maluco, o gato risonho... só se lembrará que já os conhecia antes ao final da aventura, mas mesmo assim ajuda-os a vencer a maldosa e estressada rainha de copas e devolver à rainha branca, irmã caçula da primeira, a coroa e o comando do reino. Para isso, Alice precisará passar por maus bocados, conquistar a amizade de um cachorro com jeito de monstro e vencer um outro monstro de verdade – um dragão. Antes da temida batalha final, Alice encontra-se ante o dilema de vestir ou não a armadura e assumir a árdua tarefa de vencer o bicho e trazer a paz ao reino. Pede então conselhos à lagarta azul, que já se prepara para entrar em seu casulo e iniciar sua metamorfose. Ela lhe diz, em tom de sabedoria, algo como: “essa escolha é só sua, não faça nada só para agradar aos outros”.

Alice reflete e escolhe seu destino, vencendo o temível dragão armada de uma espada que “já sabe o que quer”, e principalmente do mais importante: sua auto-confiança e a certeza de que tudo é possível. Ao voltar de seu sonho após conquistar a paz, retorna minutos depois ao gazebo onde a espera o pretendente e responde-lhe, em frente à platéia ansiosa, que não deseja se casar pois tem outros planos para sua vida. Sai triunfante, não sem antes dizer a algumas pessoas grandes verdades que, até então, guardava para si afim de não desagradar a ninguém.

O que a conhecida estória, agora com outra roupagem, nos traz de novo, é a velha lição da autenticidade: Alice não se casa, pois esse não é o seu desejo e sim o de outros, mas assume as antigas empresas do pai tornando-se sócia do ex-futuro-sogro. A escolha feita no onírico país das maravilhas levou-a à conquista da paz do povo - sua própria paz, na escolha da vida real - pois não se pode viver em paz sem ser autêntico. A espada que usou era sua própria intuição, ou desejo inconsciente - sabia o que queria. Para a época em que se passa o filme, nada mais autêntico e audacioso, uma mulher negando o casamento para voltar-se à escolha profissional. Para hoje, nada de mais atual: uma jovem - que poderia ser também qualquer outra pessoa - negando as escolhas feitas para si pela família, pelos outros ou pela sociedade e buscando a verdadeira satisfação através daquilo que de fato deseja para a sua vida. Vale à pena assistir. E refletir!